08:47
Empurrei a porta de vidro e entrei no consultório. Andei até o balcão. Hora marcada. Documentos. Exames. É só esperar.
Sentei por ali mesmo em uma das cadeiras de plástico. Folheei uma ou duas revistas que davam notícias do semestre passado. Prestei atenção no sapato da moça do lado, na música ambiente, na TV colocada no mudo.
Normal.
Inconscientemente começo a balançar a perna. Tique nervoso antigo. Algo fora do lugar.
Nunca estive ali antes, sequer sei o nome da secretária.
Estranho.
A vista dança meio que de qualquer jeito, esperando encontrar de cara o motivo do desconforto. Nada.
Ele segue.
Fecho os olhos pra vasculhar o ambiente com o coração. Ele tem que saber.
Respiro fundo pra ganhar forças revirando a memória e sinto um perfume. É isso.
Quando volto a abrir os olhos, eles buscam aflitos. Onde? Giro o corpo na cadeira.
Ali.
O jarro de flores me encara de volta. As mesmas que você deixava na janela da cozinha.
O peito erra um passo. Talvez o médico devesse me deixar entrar primeiro.
O cheiro quase imperceptível me invade por inteiro. Devagar. O mais forte dos venenos não precisa de muito pra fazer efeito.
De repente a paisagem do quadro na parede se transforma. Consigo ver a pracinha que fica na frente do seu prédio, aquela que eu gostava de olhar enquanto lavava os pratos. As cadeiras de plástico se tornam aqueles banquinhos em que eu fazia a gente sentar pra terminar o sorvete antes de entrar em casa. Tudo tão familiar...
Ouço o telefone do consultório.
Sala de espera.
Solto a respiração só pra poder sentir o aroma de novo. Tenho sede.
Talvez a moça entediada no celular se pareça com sua prima que mora no litoral. Talvez o ar condicionado me lembre da brisa fininha que entrava pela fresta que você deixava nessa janela antes de dormir. Os biscoitos dentro do pote de vidro na mesa de centro poderiam ser os que minha avó te mandou no último natal.
Um bando de quases.
Com um pouquinho de imaginação eu poderia morar ali no consultório do médico mais barato que consegui encontrar de última hora. Maldita dor de estômago.
Posso chutar que a causa são as borboletas. Melhor, a falta delas.
Bichinhos esquisitos que me comeram por dentro e foram embora quando te devolvi a chave do apartamento. Me deixaram com um resto de tripas que já não serviam pra mais nada.
Passos.
Corredor.
O médico.
Apressei pra me levantar. Será que ele conseguiria ver no que eu havia transformado a sala? Náusea.
Sou eu mesma, Doutor.
O segui de perto. Bem perto. Medo de voltar a me perder em um objeto ou outro que pudesse encontrar no caminho. Ânsia de deixar tudo pra trás.
Isso. Um pouco mais embaixo. Dor aqui e ali. Varia.
Me passou logo dois ou três remédios dos mais fortes pra matar de vez tudo aquilo que já não é mais meu.
Agradeci, na expectativa de que fosse acabar também com o rastro que você deixou em mim.
Impactante.